“Quanto custa uma camisola?”
A praça do Mercado Manuel Firmino foi palco de um desfile de moda invulgar, onde as peças de roupa estavam acompanhadas de etiquetas que não mostravam o preço, mas sim o custo!
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© Helder Berenguer
2700 litros de água. Esta é a quantidade média de água que uma pessoa pode beber durante dois anos e meio. Este foi também um dos pontos de partida para o mais recente projeto da Agora Aveiro, o “Deixa-te de Modas!”. Através de uma intervenção ao estilo “guerrilha”, os nossos voluntários trouxeram à rua, no passado sábado, dia 7 de maio, uma exposição com manequins, roupas e alguns valores chocantes.
Cada vez mais, nos dias que correm, a indústria da moda tem vindo a moldar a perceção de grande parte das pessoas para a necessidade de continuar a reinventar o nosso estilo, seguir as mais recentes tendências ou comprar peças de vestuário apelativas e vistosas. Este aumento da necessidade de consumo aliado aos preços baratos que muitas empresas praticam, resulta numa produção e fabrico desmedidos de peças de vestuário. Mas, o que é que está na base desta pirâmide a que chamamos “indústria da moda”? E quais são as implicações de todo o nosso consumo desmedido? A Agora Aveiro trouxe algumas respostas.
Anualmente, e à escala mundial, a indústria da moda é uma das que traz mais impactos negativos para o meio ambiente. As etapas associadas à produção de matérias-primas, tingimento, secagem e utilização pelo consumidor gastam, em média, água suficiente para saciar a sede de 110 milhões de pessoas. Juntamente com os gastos exorbitantes de água no fabrico, existe a problemática da contaminação provocada por químicos ou microfibras. Estes números derivam maioritariamente da produção de algumas matérias-primas, como o algodão, que utiliza mais de 8 milhões de toneladas de fertilizantes, e o fabrico de fibras sintéticas, que gasta aproximadamente 70 milhões de barris de petróleo. Dessas microfibras, uma quantia aproximada de 500 mil toneladas acabam nos oceanos onde, cada vez mais, começam a estar presentes na cadeia alimentar. A indústria da moda, para além de contribuir negativamente para a poluição das águas, tem também impacto na qualidade do ar, sendo responsável por 10% de todas as emissões de dióxido de carbono, o equivalente às emissões de todos os voos internacionais e viagens marítimas juntos. À enormidade de problemas associados ao fabrico de vestuário, pode-se salientar ainda o aumento de peças de roupa que são descartadas. Cerca de 80% do total produzido vai parar a aterros, como é o caso do deserto do Atacama, no Chile, onde são incineradas ou ficam a decompor-se, podendo demorar até 200 anos.
Não se pode falar do impacto a nível ambiental sem se referirem as condições adversas a que muitos dos trabalhadores estão sujeitos. Muitas empresas de vestuário escolhem países com mão-de-obra barata como Índia, China, Bangladesh, Vietname ou Camboja, onde exigem trabalhos forçados de 14 a 16 horas diárias, 7 dias por semana. Estas pessoas estão ainda em contacto diário com substâncias tóxicas, sofrem por inalação de pós derivados das fibras em espaços pouco arejados, e trabalham em locais com pouca segurança contra incêndios ou estruturalmente instáveis.
Umas atrás das outras, estas informações, devidamente fundamentadas e apresentadas na forma de cartazes e etiquetas, acompanharam os transeuntes mais curiosos que por ali passavam. Mas “coser” coisas negativas no vestuário sem oferecer alternativas mais conscientes nem pareceria algo destes nossos voluntários. “Ponderem antes de comprar, procurem transparência, responsabilidade das marcas e saber a origem das peças de roupa, evitem fibras sintéticas, cuidem do vosso vestuário, repensem antes de deitar fora e optem por comércio em segunda mão.” Estas foram algumas das ideias mais otimistas que esperam criar um sentido de responsabilidade no consumidor para que as decisões, no que toca à roupa, sejam mais sustentáveis e humanitárias.
E agora voltamos ao início: “Quanto custa uma camisola?”
2700 litros de água.
O “Deixa-te de Modas” faz parte do projeto “Underground Division”. Foi feito em parceria com a The Best e a Bilux. Teve ainda o apoio da Câmara Municipal de Aveiro e do Instituto Português do Desporto e Juventude I.P..
Nuno Afonso