Abrir Janelas para a Mente
Neste mês de outubro, a Agora Aveiro convidou a comunidade a refletir sobre a saúde mental através da arte e da empatia. Um projeto que culminou com o lançamento de uma curta-metragem e de um grande evento de uma tarde dedicado à temática.
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© Helder Berenguer
A saúde mental tem vindo a assumir um papel cada vez mais central nas preocupações da sociedade e nas conversas dos portugueses. Portugal apresenta uma das taxas mais elevadas de prevalência de perturbações mentais na União Europeia, afetando, segundo dados de 2019, cerca de 22% da população. Entre os principais fatores associados destacam-se o stress, as dificuldades financeiras e a solidão. Esta última, contrariamente ao que se possa pensar, não se restringe às faixas etárias mais velhas, afetando também muitos jovens. No quotidiano, o impacto é evidente: aproximadamente 61% das pessoas afirmam sentir-se esgotadas ou em risco de “burnout”. Foi a partir desta realidade que nasceu o projeto “Janelas para a Mente”, uma iniciativa que procura unir a criatividade, a empatia e a consciência social, desafiando a comunidade a olhar para a saúde mental através de novas perspetivas, e a agir com pequenos gestos, arte e empatia.
Da Reflexão à Ação
A preparação do projeto começou em abril, com a recolha de testemunhos entre os membros da associação sobre as suas frustrações e desafios que encontram no quotidiano. Este processo permitiu um momento de introspeção e partilha sobre as emoções que todos sentimos.
A informação recolhida foi depois trabalhada em colaboração com a psicóloga Margarida Gonçalves, que a associação conheceu durante o projeto “Heróis de Aveiro”, em 2020. Com o seu apoio, foram desenhadas as atividades que dariam forma ao evento no Glicínias Plaza e selecionadas as palavras que seriam colocadas no mural “Em Desconstrução”.
Um Muro Pintado de Emoções
Durante o mês de setembro, o estacionamento do Glicínias Plaza foi o estaleiro para uma obra muito especial, um muro. Cada bloco deste muro, erguido no estacionamento do centro comercial, tinha inscrita uma palavra - ansiedade, culpa, medo, solidão - selecionada a partir dos testemunhos previamente recolhidos, representando as emoções que sentimos e que, quando exacerbadas, acabam por nos bloquear os pensamentos e ações
Num ato simbólico numa forma de “terapia destrutiva”, o muro foi posteriormente desconstruído, num exercício de libertação e reconstrução interior. Todo o processo foi documentado e deu origem a uma curta-metragem que combina arte, metáfora e testemunhos reais, ilustrando o impacto das emoções no quotidiano e o poder da empatia para transformar a dor em crescimento.
No vídeo, entre os escombros da desconstrução, surge algo novo, uma janela, símbolo de novas perspetivas, a hipótese de, em vez de construir muros, abrir janelas para a mente. A curta-metragem, disponível nas redes sociais e no canal de YouTube da Agora Aveiro, materializa visualmente a jornada emocional a que nos desafiámos: com as ferramentas adequadas, enfrentar e desconstruir os muros que erguemos dentro de nós, é possível.
Uma Tarde para Parar e Respirar
O projeto não ficou por aqui e, por forma a assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental, - celebrado a 10 de outubro - a Agora Aveiro transformou o Glicínias Plaza num espaço de pausa e conexão. No sábado, 11 de outubro, entre sofás e mantinhas, livros sobre saúde mental do Auchan, chás e bolinhos do Celeiro, pessoas e conversas cativantes, a Agora Aveiro promoveu uma tarde de atividades abertas à comunidade.
Tivemos uma aula de ioga com a professora Sílvia Gomes do VivaGym, uma palestra sobre “O Papel da Nutrição na Saúde Mental” com a nutricionista Daniela Cação do Auchan, e uma tertúlia para refletir sobre “O Papel da Comunidade na Saúde Mental”, com a psicóloga Margarida Gonçalves, a socióloga Carla Fernandes e o psicopedagogo João Henriques, com a nossa Beatriz Ribau enquanto desafiadora.
Como destacou Carla Fernandes, “no meio da correria do dia-a-dia, é difícil parar para cuidar de nós” e este evento foi criado precisamente para isso: criar um espaço onde fosse possível relaxar e refletir sobre um tema tão importante como é o nosso bem-estar mental.
Durante toda a tarde, dezenas de pessoas participaram nas diferentes atividades e dinâmicas de reflexão, escrita e relaxamento que preparámos. Algumas delas inspiradas em projetos antigos da associação como o "Estendal das Boas Ações" e os "Reflexos Intrusivos", e outras criadas de raiz, como o “Palavras Cruzadas”, que convidava os participantes a escrever e a trocar cartas de autocompaixão. Na Farmácia Moura Glicínias era possível encontrar as “Receitas para o Bem-estar”, estratégias simples para promover uma boa saúde mental. E porque não nos podíamos esquecer dos mais pequenos, criámos um espaço de trabalhos manuais que permitia às crianças personalizar pequenas bolas anti-stress feitas com balões e farinha. O ambiente acolhedor e colaborativo reforçou a ideia central do projeto: ninguém deve enfrentar sozinho as suas barreiras interiores.
A iniciativa foi muito bem recebida por quem nos visitou. De acordo com uma senhora entre os seus 50 e 60 anos, empregada de limpeza doméstica:
Pelo meu trabalho, sinto o corpo e o sistema nervoso todos tensos. Gostei do ioga, vim experimentar porque nunca tinha feito. Vi o evento no Facebook e achei uma boa iniciativa - uma forma de relaxar e aliviar o stress do dia a dia.
Sofia, enfermeira, que veio com o seu filho disse:
Gostei muito. Vim com o meu filho, que tem 10 anos, e os dois adorámos. Ele teve atividades muito engraçadas - leu livros sobre as emoções, desenhou, fez bolas anti-stress - e assim também conseguimos relaxar e ter um momento diferente. Foi uma experiência interessante. Iniciativas como esta, de associações como a vossa, são muito importantes.
Já uma senhora reformada comentou:
Não estive presente em todo o evento, só na parte final da tertúlia. Sentei-me para assistir e gostei bastante da conversa. Falaram sobre saber aceitar o ‘não’ e o desconforto que isso traz, e essa parte marcou-me. Os meus parabéns pela iniciativa.
Porque a saúde mental não se esgota num evento, a Agora Aveiro levou também a exposição “Nas Entrelinhas”, criado em 2022, até ao Estabelecimento Prisional de Aveiro. Patente no parlatório, um espaço aberto a reclusos e familiares, durante o mês de outubro, a mostra pretende abrir espaço para a reflexão e diálogo entre reclusos e familiares, reforçando que o bem-estar mental deve estar ao alcance de todas as pessoas: dentro e fora de muros.
Com o “Janelas para a Mente”, a Agora Aveiro reafirma o seu compromisso em promover a empatia, partilha e bem-estar na comunidade. O projeto deixou uma marca simbólica em Aveiro - não apenas no muro que foi criado, mas nas conversas que se abriram e nas novas formas de olhar para a mente humana. Cuidar da nossa saúde mental começa por dormir o suficiente, comer bem, fazer exercício regularmente, mas também ter uma rede de amigos e familiares que nos apoie: “Quando juntamos as mãos, descobrimos que esses muros são mais frágeis do que pensávamos”.

Renan Ferreira