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“Uma Casa Longe de Casa”: Uma Viagem por entre Histórias de Migrantes

Num curso que juntou jovens de toda a Europa em Aveiro, contaram-se histórias de migração, aprenderam-se metodologias de educação não-formal e descobriram-se formas de desconstruir preconceitos.

Tempo estimado de leitura: 7 minutos e 7 segundos

© Nikola Veljkovic

O “Home Away From Home” (“Uma Casa Longe de Casa”) foi um Curso de Formação, organizado pela Agora Aveiro entre 21 e 31 de março, que reuniu na “cidade dos canais” jovens de vários países da Europa - Itália, Croácia, Turquia, Grécia, Espanha e Sérvia - para, conforme explica  Jasna, uma das dinamizadoras do projeto, “oferecer aos jovens um conjunto de ferramentas e metodologias para trabalharem a temática dos migrantes e refugiados nas suas regiões”. 

Durante dez dias, os participantes mergulharam num conjunto de atividades de educação não-formal, como a “Biblioteca Viva”, o “Teatro do Oprimido” e o “Marketing de Guerrilha” para, de uma forma empática, criativa e disruptiva, estudar o fenómeno da migração. Sentámo-nos com alguns dos participantes e organizadores para melhor conhecer o projeto: os seus objetivos, as atividades que foram desenvolvidas, mas também as expectativas e aquilo que se alcançou.

OUVIR PARA CONHECER

Dimitra Apostolou, da Grécia, chegou a Aveiro pela Level Up, organização parceira do projeto. Descendente de refugiados do lado materno, encontra na migração mais do uma área de estudos, uma missão: “Quero-me tornar numa mediadora intercultural!”. Durante a “Biblioteca Viva” contou a sua história: “Falei da minha mãe, da minha avó, da minha bisavó e da sua experiência enquanto refugiada”. Surpreendida pela receptividade do público português, partilhou a sua esperança: “As pessoas estão realmente interessadas em aprender. Não estava à espera que fossem tão receptivas. Tenho esperança nas gerações mais novas!

Efe Kalayci, de İzmir, na Turquia, pela primeira vez em Portugal, traz-nos o testemunho de um país que desempenha um papel central na questão migratória, servindo tanto de ponto de chegada como de passagem para milhares de pessoas: “Muitos países, inclusive a Turquia, têm grandes dificuldades na integração dos migrantes. Os migrantes vivem isolados da comunidade”, explica. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Turquia é um dos países com maior número de refugiados no mundo.

A sua participação teve um propósito claro: encontrar formas de promover a integração dos migrantes na sua cidade: “Já conhecia a Biblioteca Viva, mas nunca me lembrei de que poderia ser aplicada neste contexto. É algo que certamente vou aplicar na minha cidade!”. Reconhece, contudo, os desafios de sensibilizar quem não está exposto ao tema: “Como é que conseguimos chegar a estas pessoas? A iniciativa tem que partir delas, é um processo que acontece ao longo de vários anos.” Explica, “As gerações mais novas já estão mais habituadas à presença de migrantes, é algo que vai acontecendo gradualmente.

Apesar das dificuldades, Efe elogia o modelo português: “Portugal é dos melhores exemplos na integração de imigrantes. As pessoas não são agressivas em relação aos imigrantes, são mais acolhedoras.” 

Portugal tem apostado na integração social, educativa e profissional de migrantes através do Alto Comissariado para as Migrações, por intermédio dos CLAIM - Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes. Em Aveiro o CLAIM é gerido pela Casa Vera Cruz, parceiro habitual nos nossos projetos. Estes apoiam os migrantes através de aulas de português, apoio jurídico, habitação e acesso ao SNS e escolas.

FERRAMENTAS PARA CONTAR HISTÓRIAS

Um dos momentos altos do curso foi a “Biblioteca Viva”, uma metodologia já utilizada pela Agora Aveiro em anos anteriores, sobre o Envelhecimento Ativo, em 2022, e os Direitos LGBT, em 2023. Este é um espaço onde, em vez de ler livros, “lemos” pessoas. Uma iniciativa que, pelo seu ambiente informal e próximo, incentiva o diálogo, tornando mais fácil a desconstrução de estereótipos e preconceitos

Reunimos cinco pessoas, com histórias marcantes e impactantes, para contar as suas realidades.” conta Leo Majstorovic, da Sérvia. “Tivemos “livros” do Irão, dos Estados Unidos da América, do Perú e da Grécia”, acrescenta Jasna. 

Como forma de divulgar a “Biblioteca Viva”, os participantes organizaram uma atividade de “Marketing de Guerrilha” nas ruas de Aveiro. Com criatividade e impacto visual, chamaram a atenção para a atividade e envolveram a comunidade local.

A terceira das ferramentas utilizadas e, provavelmente a mais marcante, foi o “Teatro do Oprimido”. Esta é uma forma de teatro em que o público se torna parte da peça, explorando, analisando e transformando a sua realidade. Para esta peça, explica Jasna, “Os participantes inspiraram-se em “Shadow Game”, um documentário de 2021 que acompanha a jornada de adolescentes refugiados que tentam atravessar as fronteiras da Europa em busca de uma vida melhor.” Leo, conta: “Foi uma história tão impactante. Acabámos a chorar…”. Jasna destaca a seriedade e empenho com que os participantes lidaram com o assunto: “Estavam completamente focados!”  

UM PONTO DE VIRAGEM

Muitos destes jovens cresceram em contextos conservadores, onde a emigração é frequentemente associada a estigmas e preconceitos. Este projeto procurou desconstruir essas ideias, oferecendo-lhes não só uma nova perspetiva, mas também ferramentas para, no regresso a casa, contribuírem para transformar mentalidades nas suas comunidades: “Cresci numa família muito conservadora que me dizia que os emigrantes eram ladrões e criminosos, que não podemos confiar neles. Não queria acreditar nisso, então envolvi-me! Sinto que agora os meus olhos estão abertos, consigo ver a realidade”, partilha Leo.

Mais do que estatísticas ou políticas, o curso permitiu uma aproximação à dimensão humana da migração: “Não discutimos apenas números, falámos sobre os próprios imigrantes - como se sentem, as experiências pelas quais passaram e os traumas que persistem”, comenta Leo.

Calina Porto, que nasceu no Brasil e vive em Portugal há 13 anos, conheceu o projeto através da plataforma SALTO-YOUTH. É já veterana em iniciativas Erasmus+ - participou em oito projetos - e num Corpo Europeu de Solidariedade, na Islândia: “Através deste tipo de projetos (educação não-formal) tenho mais interesse em aprender e envolver-me.” Para quem nunca participou nestes projetos, desafia: “Sais da tua zona de conforto e desenvolves novas capacidades!

Apesar da sua própria vivência enquanto imigrante, admite: “Apesar de ser imigrante, não tenho dado atenção ao tema; Aprendemos sobre a migração (...) mas não nos são explicadas as causas; Aqui há uma troca de informação muito mais rica”, explica. 

O QUE FICA PARA O FUTURO

Os participantes mostraram-se muito satisfeitos com o evento, desde logo com a temática e conteúdos trabalhados e, não menos importante, com a organização, a gestão de expectativas e as atividades desenvolvidas. “Pensei que não ia aprender muito, que ia ser aborrecido, com aulas e palestras. Mas é completamente diferente - é interativo, não-formal, somos agentes ativos na aprendizagem”, partilha Leo. 

A verdade é que um tópico destes não é propriamente leve, é algo sério e que, se for bem desenvolvido tem um impacto duradouro em quem participa: “Ainda há muitas coisas que os participantes estão a “processar””, conta Jasna. “No global, foi uma experiência bastante positiva. Era um grupo bastante interessado e participativo; Muitos deles têm experiências pessoais sobre o tópico e será bom ver como vão aplicar estes conhecimentos”, acrescenta.

O "Home Away from Home: Youth Work & Activism for more Inclusive Communities" é um Curso de Formação organizado pela Agora Aveiro em colaboração com a Associazione Popoli Insieme, de Itália, a iDEMO Institut Za Demokraciju, da Croácia, a Belen Kaymakamligi da Turquia, a Fundación Red Íncola de Espanha, a Level Up Greece da Grécia e a Becej Youth Association, da Sérvia. Este projeto é organizado no âmbito da "Ação - Chave 1: Mobilidade Individual para Fins de Aprendizagem" do Programa Erasmus+. Tem ainda o apoio do Município de Aveiro e do Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P..
Helder Berenguer

Helder Berenguer