Há ideias que só nascem do confronto com o estranho. E gestos que só ganham sentido depois de vermos outros corpos a fazê-los. Percebemos, igualmente, que observar com atenção é já uma forma de participação e que entender o ritmo do outro exige, antes de tudo, uma suspensão do nosso. E é assim, sobretudo assim, que começamos também a escrever melhor as nossas próprias cidades.

O nosso projeto Erasmus+ “A4D: Acting 4 Democracy”, organizado em parceria com a organização CEKOM, fundada por Smiljana Tucakov em 2000, levou as experiências de ativismo de um grupo de voluntários de Portugal até à cidade de Zrenjanin, na Sérvia para um Curso de Formação. Durante uma semana intensa, os participantes puderam explorar a linguagem do teatro como agente de transformação social.

Os parceiros do projeto, que visa capacitar os jovens para assumirem um papel ativo na construção do futuro das democracias e cidades, foram um exemplo de resiliência. Através da partilha do trabalho de artivismo que têm construído ao longo dos anos, com diferentes gerações que se encontram num palco comum: o seu interior ou a sua cidade. A equipa portuguesa teve a oportunidade de assistir a uma peça de teatro no Centro Cultural de Zrenjanin e dialogar com o dramaturgo e escritor Meti Kamberi sobre a sua experiência de vida através da sua escrita. Houve ainda espaço para um momento de conversa aprofundada com os jovens da CEKOM, que partilharam as suas vivências e as urgências que querem ver discutidas a partir do palco. Os temas centrais foram o sentimento de não ter voz, o conflito e distância para com gerações mais velhas e a pressão de um futuro incerto guiado por escolhas individuais que irão moldar o coletivo.

De acordo com João Henriques, um dos participantes de Portugal:

Estar em Zrenjanin foi também conhecer mais profundamente a realidade social, política e cultural daquela parte da Europa. Atravessar as ruas, ouvir as histórias, compreender os desafios e as esperanças, conhecer as pessoas, tudo isso permitiu-nos perceber que há perguntas que só surgem quando estamos fora de casa. E que, por vezes, para compreender o que fazer no nosso lugar, é preciso primeiro habitar um lugar que não é o nosso.

Como resultado do trabalho realizado durante a semana, dividido entre exercícios coletivos de expressão corporal, movimento, voz e momentos de discussão em grupo, surgiu uma performance apresentada à comunidade de Zrenjanin. O tema das migrações revelou unir as duas realidades pela sua centralidade na construção do sentido de comunidade, tendo sido explorado nas suas dimensões de opressão, resistência e liberdade no momento performativo.

O impacto deste trabalho no grupo foi profundo, tal como descreve o participante e jovem ator Aleksa Jovcic:

Para qualquer artista, aventurar-se no desconhecido é o cerne do aperfeiçoamento da alma e este projeto foi isso mesmo. A troca de culturas, ideias, perspetivas e a procura incessante por formas de implementar o ativismo no nosso trabalho é aquilo que faz o teatro funcionar desde que nasceu. O teatro exige que se questione, critique e, por vezes, que seja também a solução. Em Zrenjanin, durante a formação, conheci pessoas maravilhosas que usam as suas competências através da arte. Fui inspirado e agora, enriquecido, continuo o meu trabalho um degrau mais feliz.

Este curso de formação foi mais uma etapa do projeto “Acting 4 Democracy”, onde voluntários locais tiveram a oportunidade de estar imersos na realidade e imaginário de outro lugar e comunidade, que se tornou, também, a sua.

Corpos de água de margens descuidadas, o encontro dos rios, teatros antigos onde podemos ver o interior das peças, verde lima, laranja tijolo, santos materializados em pedra gasta, um diapasão com raízes aéreas, uma rosa que é dura no interior e suave ao toque (ao contrário dos smoki), cães abandonados, galerias que podem fechar, artistas à procura de espaço, vozes sem lugar, novos espaços e lugares devolutos ou inóspitos, música folk e trance, escapismo, resistência, protesto, sub-culturas, cultura, arquitetura e educação, unidade, transformação de fronteiras, sub-cidades, ideias submersas, à margem: tudo contribui para a construção de um novo sentido de comunidade.